Pãos ou pães

Formular opiniões de forma racional e ponderada, seguindo uma moral própria acompanhada de uma filosofia pessoal de vida é tão entediante quanto se masturbar lendo a Bíblia. Bem mais atraente é decidir lá, na bucha, o que você pensa sobre determinado assunto.

Além de economizar tempo, permite ajustar suas opiniões para ofender um número maior de pessoas. Explicar para um grupo de feministas que você defende o aborto por ser direito da mulher controlar seu próprio corpo não gera nada interessante para contar depois. Mas tente argumentar, com o mesmo grupo, que se Deus quisesse que mulheres trabalhassem, não as teria feito tão emocionais e pouco objetivas. É de momentos como esses que são feitas as memórias.

Esse tipo de flexibilidade ideológica permite adequar seu discurso para fazer inimigos e irritar pessoas, mas pode tão facilmente te ajudar a fazer uma mesa inteira cair na gargalhada; as possibilidades de defesas hilárias para defender algo são maiores quando você não leva nada a sério.

Aliás, levar coisas a sério é sempre uma furada. Levar coisas a sério nunca trouxe qualquer benefício à humanidade, muito pelo contrário. Pessoas sérias e com opiniões formadas sobre assuntos importantes trazem atrocidades ao mundo, como o holocausto, terrorismo, guerras santas e cientologia. Pessoas sérias são um saco, não têm senso de humor e sempre matam qualquer conversa divertida.

Imagine como o mundo seria diferente se, por exemplo, Eichmann e Hitler tivessem sido mais descontraídos?

– Eich, – diria Hitler, – acho que está na hora de enchermos os trens.
Ja wohl, mein Führer! Mas não se esqueça... – diria Eichmann, sorrindo contente.
– Sim?
– Sabia-que-todo-viado-é-surdo? – cochicharia, embolado, Eichmann, contendo a risada.
– O que? Não ouvi bem. – responderia o Führer, perplexo. De repente, diante das gargalhadas de seu Obersturmbannführer, compreensão passaria pelo rosto do ditador alemão, que, por sua vez, cairia também na gargalhada.

Aí eles iriam a um boteco qualquer tomar schnapps de cereja e rir da vida, ao invés de sairem matando judeus e russos, e o mundo seria um lugar melhor. No mínimo seria um lugar sem um filme chato por ano sobre o holocausto.

Bichas Pobres

Bichas gostam de luxo. As ricas torram mundos e fundos com Dolce & Gabbana e Gucci, e as um pouco menos afortunadas, Zoomp e Forum. Adoram sair à noite e tirar onda, fingirem que sabem de todas as novidades de Milão e Paris, mesmo se não conhecem nem Buenos Aires. Curtem a vida adoidado e gastam loucamente; é só uma questão de quanto do orçamento pode ser destinado a roupas e saídas.

Mas tudo tem limite. Uma coisa é uma biba disposta a gastar uma nota comprando meia da Calvin Klein e sapato bico fino da Zara; pelo menos sobra alguma coisinha no final do mês para comer e comprar lubrificante. Mas e as bichas pobres de verdade? As que não podem comprar nem Sketch? Elas pertencem a dois universos diferentes; são as Empregadinhas e Glam Perifas.

As Empregadinhas são assustadoras; trabalham em lanchonetes, lojas de conveniência e padarias. Fazem a unha, desmunhecam horrores e são quase travas, tiram um pouco de onda, mas no fundo entendem que são pobrezinhas. Lêem Vogue com alguns meses de atraso, e tomam cerveja em butecos. Mas sempre com pose.

Já as Glam Perifas se acham. Trabalham em lojas de roupa e moram longe pra caralho. São bichinhas que não têm onde cairem mortas, mas tomam champanhe a noite toda, antes de pegar o busão vermelho de volta para casa. Juntam dinheiro meses a fio para terem um celular de mil reais (de cartão, sempre sem crédito) e um armário cheio de camisetas apertadinhas falsificadas do Empório Armani. Afinal de contas, toda vez que uma bicha compra camiseta da C&A, uma fada morre.

De acordo com um amigo meu, nos chats gays, antes mesmo de perguntar o tamanho do pau e se é "a ou p" (Ativa ou Passiva, para os leigos; Que Come ou Que Dá, para os REALMENTE leigos) as bichas querem saber em que bairro a outra mora, prova concreta de avaliação de status social. Por isso é que, para os pobres, os Americanos inventaram essa história de "homens que transam com homens". Porque Bicha mesmo, legítima, só rica.

Outrora

A vida, como regra geral, é muito entediante. Boa parte dos segundos, minutos e horas que preenchem cada dia é gasta desejando que os segundos, minutos e horas passem logo, para termos mais um dia. Por quê? Por que somos burros.

A vida é uma puta cara, e os segundos são infinitos pequenos cafetões, nos surrando por não podermos pagar. Já que é inevitável ficar velho e morrer, que tal um pouco de diversão antes do mergulho gelado da morte? Não é difícil ver quem entende. Velhinhos que dirigem rápido entendem, os que dirigem devagar, não. Se você tem setenta anos de idade, é bom chegar aonde está indo RÁPIDO, porque não estamos falando de alguém que pode planejar os próximos dez anos. Digamos que, depois de uma certa idade, a única garantia de pedir comida e estar vivo quando ela chegar é no McDonald's.

Mas uma boa parcela dos bilhões de bípedes que saltitam pela terra afora não vive pelo momento, e sim pela lembrança de momentos. São bombas-relógio de casos longos e chatos, prontas para entediarem qualquer um que caia na reta. Saudosismo é o último peido póstumo de um corpo que esqueceu de viver, e seus praticantes só perdem para Testemunhas de Jeová e Mórmons na lista dos grupos mais irritantes do planeta. Do PLANETA! Nada mal, para um aglomerado desorganizado de idiotas confusos e iludidos, não?

Agora, não pense que qualquer um pode ser saudosista; antes fosse tão fácil. Exige disciplina, desprendimento e falta de bom senso, igual pintar aqueles quadros de cavalo. É algo que não se aprende da noite pro dia; possivelmente da noite, pro dia, pra noite de novo.

É necessário destituir tudo que é atual de qualquer valor para glorificar um passado tão idiota quanto o presente. Isso nos obriga a engrandecer trivialidades e mistificar tolices. Nos obriga a lembrar de saídas frustrantes que só nos deram ressacas horrendas como grandes aventuras urbanas, e shows horríveis de bandas incompetentes como momentos pivotais na história da música.

Todos já passaram pela experiência horrenda de sentar à mesa com algum grupo de ex-amigos de colégio ou faculdade ou exército ou clube de swing ou seja lá qual for o grupo mais unido ao qual você já pertenceu. Ao invés de saírem e fazerem coisas e fabricarem novas memórias emocionantes e divertidas, as pessoas se agarram a versões engrandecidas de trivialidades passadas e ficam nessa, repetitivos igual almoço de natal de casa de vó.

Alguém começa a comentar sobre aspectos da personalidade de alguém durante a época em foco no momento, os Bons Tempos, digamos. Isso emenda num “Lembra aquela vez que”, que destrói qualquer chance de alguma conversa interessante e divertida, e transforma a noite num reviver de algum momento que provavelmente nem valeu a pena experimentar da primeira vez.

Impossível de participar; por mais que vasculhe minha memória, o único caso que me ocorre nestes momentos é a história de quando um peido meu esvaziou a sala na oitava série. Que nem lembro se é verdade, mas parece plausível.

Será que não há solução? Será que saudosistas são iguais a cristãos, absolutamente irrecuperáveis? Talvez. Mas não há necessidade de se sujeitar a uma sessão de tortura lembraquelavez. Experimente um teste simples, como perguntar sobre a vida atual das pessoas. Se não há nada emocionante para contar, talvez não exista mais nenhuma razão para se encontrarem. O que você quer com seus colegas de colégio, afinal de contas? Quer REALMENTE saber que o filho de um deles aprendeu a bater palminhas, ou ouvir um advogado contar piadas sobre o desembargador fulano que tem língua presa?

Ou prefere sair de perto, viver e não olhar pra trás? Lembre-se, qualquer pessoa que você vê tão pouco que precisa te contar casos do passado por falta de afinidade no presente é alguém que você só mantém como amigo se quiser estar por perto quando o casamento dele acabar e a ex-mulher estiver disponível.

E se você achou este final fraco, desculpe. Meus textos bons mesmo são os de alguns anos atrás; naquela época eu realmente escrevia bem. Ah, bons tempos.

Madame Tussauds

Para quem não sabe, a Revista Piauí promove todo mês um concurso literário. A idéia é pegar uma frase bizarra e encaixá-la num texto, de preferência fazendo algum sentido; o melhor texto é publicado na revista. A frase do mês de setembro era O convite para virar estátua no Madame Tussauds lhe chegou em boa hora.

Escrevi um texto, enviei e perdi. Obedecendo à minha grande amiga pregüiça, ao invés de um post normal, hoje vocês terão o prazer de correr os olhos sobre meu texto.

Oba!

Viver é o Verdadeiro Terror

A jovem corria, gritando, pela floresta. Olhando para trás, só via um vulto enorme a perseguindo, obstinado. Respiração ofegante, coração rasgando o peito, cada passo uma facada na perna ferida. Mas não podia parar. Se fracassasse, a morte dos amigos teria sido em vão. Mas o vulto era implacável em sua ferocidade. Cada vez mais perto, mais assustador. Ela já sentia seu hálito quente e fétido na nuca, quando um curto apagou metade da iluminação do estúdio.
– CORTA!
Marc esfregou o rosto em frustração.
– Dez minutos de descanso, – rosnou o diretor.

Marc Patel estava no limite. Quase quarenta anos dirigindo filmes de terror, e sempre a mesma coisa. Eternamente às margens do circuito de cinema de verdade, relegado sempre à prateleira menos visitada da locadora, precisando se contentar com a gratidão apaixonada do pequeno grupo de fãs de filmes que se resumem a uma gostosa gritando enquanto foge de um vulto enorme.

Suspiro.

Seus desejos não eram extravagantes. Não precisava de um Oscar ou uma Palma ou um Leão, só de algum reconhecimento. Um sinal qualquer, algo que dissesse "Marc, os últimos 37 anos não foram jogados na privada, campeão!". Estava esperando há décadas, e finalmente cansou. Cansou de tentar assustar adolescentes e de ter úlceras. Decidiu se aposentar.

--

Deitado na banheira, Marc refletia.

Reportagens sobre a aposentadoria de um dos grandes gênios do terror. Um documentário sobre a vida do maior diretor do gênero, Marc Patel. Festas. Autógrafos. Homenagens. Quase tudo que ele sempre sonhara. Menos um detalhe, aquele toque final para tudo encaixar nos moldes de seus sonhos mais secretos. O convite para virar estátua no Madame Tussauds lhe chegou em boa hora. Agora estava pronto, agora era imortal.

Matou a garrafa de champanhe no bico, sorriu para ninguém e, delicadamente, soltou o secador de cabelos ligado dentro d'água.

Quando encontraram o mestre do terror, estava inchado na banheira, os lábios arroxeados fixos num sorriso de feliz contentamento.

Novela para quem não agüenta o tranco.

Novelas são uma bosta, e todos os envolvidos com tais atrocidades são vermes imundos que deveriam ser estuprados, esquartejados em praça pública e incinerados numa grande fogueira coletiva. Não necessariamente nessa ordem.

“Hoje vi duas pessoas conversando sobre um homicídio brutal e, ao prestar atenção na conversa, percebi que falavam da trama de uma novela” é como mentirosos começam a escrever textos criticando cultura de massa e entretenimento barato. Parece que é impossível falar do lixo cultural vomitado pelos canais abertos sem primeiro dar um tom de Manifesto pela Libertação do Povo Alienado por Televisão. Depois disso, para arrematar, vem algo como “não é a toa que o país está do jeito que está” e “como poderíamos esperar uma democracia séria em um país onde blá blá blá”.

Eu nunca começaria um texto assim. Começaria com um período categórico e simplista, e emendaria num resto de frase grotesco o suficiente para garantir comentários inflamados. Adoro quando alguém leva tão a sério algo que não levo nada a sério a ponto de escrever um comment repleto de revolta e indignação. Continuem escrevendo, cordeirinhos inocentes, que minha ereção egocêntrica triplica de tamanho cada vez que alguém fica cego de raiva com alguma idiotice que postei neste pequeno clube de fetiches da minha própria arrogância.

Depois, argumentaria de forma (quase) razoável, logo antes de criar uma metáfora de mal gosto.

Absorção de bens culturais é um processo complexo, que exige conhecimento prévio e, ocasionalmente, um tipo de personalidade específico. Parágrafos inteiros de Alta Fidelidade ficam sem sentido para quem não tem um mínimo de interesse por música pop de 1965 a 1996. Para ler Cat’s Cradle e entender o conceito de Bokononismo é imprescindível um senso de humor apurado e um pouco questionável.

Por isso é muitas vezes difícil compreender a fundo algo destinado a outros públicos, principalmente públicos mais informados. É igual sexo anal. Imagine Grande Sertão: Veredas como uma pistola enorme, e sua mente como um cu. Se for um rabo virgem e inexperiente, a entrada vai ser dolorosa e a fruição, zero. Agora, se o ânus mental já estiver arrombado e bem lubrificado, o Rosa escorregará para dentro sem o menor problema. Algumas coisas foram criadas para Cicciolinas intelectuais, cujas mentes não sentem nem cócegas com os membros diminutos e murchos da TV aberta. Já reparou como longa-metragens infantis sempre têm algumas piadas lascivas, exclusivas para os adultos? Os pimpolhos caem em gargalhadas com as besteiras mais inocentes, mas só os pais riem da putaria cuidadosamente colocada.

Paralelamente, novelas foram projetadas para mentes que, como as de pequenas criancinhas idiotas, não captam nada além do que lhes é mostrado de forma clara e direta. Mentes que não agüentam nada além de um micropênis cultura. As novelas são a quintessência da fantasia barata, repletas de justiça cósmica e resoluções para os problemas que, na vida real, seguem atormentando a quase todos. No fim das contas, coisas boas acontecem com pessoas boas e coisas ruins com pessoas ruins. Desafio qualquer um a citar uma novela que não tinha nenhuma menina pobre que acabou ficando com um rapaz rico no final, depois de muito sofrer nas mãos de alguma megera (que acaba morrendo, diga-se de passagem). Novelas são um sonho erótico budista, de tanto carma. Sempre há um equilíbrio final de todas as forças que atuaram durante o desenrolar do tépido festival de frases idiotas e situações óbvias e superficiais que as pessoas chamam de “trama” e eu chamo de 9 centímetros, duro.

Mas isso também é lindo. De verdade, é uma forma extremamente eficiente de entretenimento. Ajuda a suavizar a dor e o tédio da existência cotidiana, criando um mundo paralelo, onde não existe dor e sofrimento que dure além do fim da história. É um paraíso utópico de finais felizes e propagandas de margarina fantasiadas de cenas espontâneas em mesas de café da manhã. Só não é para nós.

Por “nós”, estou falando dos seres pensantes e relativamente alfabetizados que habitam o planeta Terra, uma parcela em torno de 5,7% da população total.