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Pessoal, tenho um blog novo (em inglês) chamado Mild Misanthrope, confiram agora!

Blogging in English now, it's called Mild Misanthrope, check it out.

Back To School

De acordo com um ditado no mínimo questionável da Polícia Civil, para manter-se um segredo entre três pessoas, só matando duas. Nunca fui bom em guardar segredos, sempre sentia uma inquietação desesperadora até soltar tudo, em geral exatamente para as pessoas erradas, em geral segredos dos outros.

O lado positivo disso é que as pessoas aprenderam a não dividir nenhuma informação sensível comigo, o que me livra de ouvir casos longos e entediantes sobre pequenos recortes insignificantes das vidas das pessoas. O lado negativo é óbvio; sou um livro no mínimo entreaberto; praticamente todo mundo que conheço sabe que sou circuncisado e que choro toda vez que assisto a Um Lugar Chamado Notting Hill.

Por isso fiquei impressionado com minha capacidade de guardar um segredo durante anos, e não dividí-lo com absolutamente ninguém, nem aqueles nearest and dearest, e agora resolvi abrir o jogo e confessar que não terminei meu curso superior. No final de 2004 faltavam quatro matérias (que agora são nove graças a mudanças curriculares), e foi uma escolha entre ir embora para Berlim e ficar mais um semestre adiando a vida. Felizmente não fui burro o suficiente para ficar.

O que tornou esse segredo algo especial é que não só o mantive, mas menti agressivamente para todo mundo; mais importante que isso, menti para você, que está lendo esse post sentindo horror e surpresa. Só não peço desculpas por isso porque provavelmente não foi a primeira vez que menti para você, e certamente não será a última, e espero que não seja a última vez que alguma coisa aconteça que te cause horror e surpresa. Uma vida sem horror e surpresa é um tédio.

O único motivo mesmo para confessar é que agora voltei para a PUC e vou terminar, em um semestre, nove matérias. Manhã, tarde e noite. A ironia é que voltei agora que decidi que propaganda não é um uso digno de capacidade intelectual e que não quero trabalhar com isso nunca mais. Go figure.

Depois que percebi o tanto de conexões interpessoais entre pessoas PUC e pessoas Vida Real, saquei que estava fudido, condenado a ser descoberto aos poucos, e ter que explicar tudo para cada um que perguntasse, então resolvi fazer um post preventivo, e (tentar) evitar longas e entediantes conversas sobre tudo isso.

A Saga do Viking de Cabelo Encaracolado

A cultura pop tenta nos convencer da sensualidade charmosa dos extremos e de que o segredo da felicidade é viver cada dia como se fosse o último, endeusando a idéia de uma vida repleta de excessos sem conseqüências. A imagem clássica do herói junkie acordando, acendendo um cigarro e matando a meia garrafa de cerveja que sobrou ao lado da cama é provocativamente charmosa. Ainda mais considerando que estamos protegidos dos aromas e dos vexames públicos típicos de alguém que acorda acendendo um cigarro e matando a meia garrafa de cerveja que sobrou ao lado da cama.

Ao mesmo tempo retrata ícones que se dizem virgens e abstinentes de drogas e álcool como heróis das tentações do mundo, glorificando-os para as massas menos ousadas e mais ligadas a valores tradicionais. Beatificam a imagem de pessoas que acreditam em Deus e amam a família, transformando mais um extremo em algo também atraente e inatingível, já que estamos protegidos da chatice e do tédio de conviver com uma beata insuportável.

Como se não fosse o suficiente, somos bombardeados com reality shows que elevam à estratosfera da fama pessoas absolutamente comuns e medianas, nem animais selvagens sedentos por prazer sem escrúpulos ou restrição nem criaturas travadas e presas em moldes sociais tão fortes que não reconheceriam diversão se fossem enrabadas por ela com uma dildo preto de borracha.

Qual a lição? É tudo mentira. Tudo que é vomitado pelas redes de televisão, pelas gravadoras e pelos estúdios é uma pilha de merda quente pasteurizada corporativa, orientada para convencer um certo público a comprar uma certa porcaria qualquer, de vodka a laptops, de bíblias a cremes de celulite, o milagre da propaganda. Como diz o grande George Carlin, "advertising is the businessman's cheaply-dressed, five dollar blowjob".

Isso tudo é atingido nos mostrando como deveríamos ser, explorando nossas fraquezas. Somos todos claramente falhos e inadequados, pecando sempre por excessos ou faltas de características. As pessoas são altas, baixas, gordas, magras, têm cabelos lisos ou ondulados, olhos claros ou escuros, pele branca, amarela, preta, vermelha ou azul (essa eu inventei), mas sempre estão unidas por um denominador comum, que é a falta. Temos buracos enormes a serem preenchidos por sexo, comida, drogas, religião, academia, plática ou consumo. Nossos excessos mascaram nossa insatisfação e nossa inadequação perante a vida.

Mas não precisamos de extremos para nos sentirmos bem. Viver eternamente frustrado não é interessante, mas pular fora de todo o grande freak show da sociedade contemporânea não é a solução. Nada mais desagradável que alguém que realmente não precisa da aprovação alheia, já que pessoas assim não se preocupam com nada, inclusive higiene pessoal e bons modos à mesa.

Ser você mesmo, então, é inconcebível. Você provavelmente não é uma pessoa tão interessante assim, já pensou nisso? A chave é buscar o que é possível. É ser você, só que do jeito que você deveria ser.

Dizem que o grande desespero de todo cabelereiro é quando entra uma mulher com cabelo liso e preto segurando alguma revista de moda aberta numa foto de uma loira cacheada. Imagine se fôssemos sem pudor em todas as situações de alteração pessoal? Consigo ver o suor frio na testa de um cirurgião plástico vendo a Preta Gil entrar no consultório com uma foto da Naomi Campbell, ou de um Personal Trainer vendo, bem, a Preta Gil entrar na academia com uma foto da Naomi Campbell.

Um homem magrelo baixinho nunca vai parecer com o Sawyer do Lost, e um grandalhão gordão nunca vai parecer com aquele menino do Juno, assim como ninguém nunca vai parecer com o Brad Pitt nem com a Angelina Jolie nem com toda aquele mar de caipiras do Kansas que mudaram para Los Angeles e transaram com as pessoas certas e agora são referência de alguma coisa. E, claro, a Preta Gil nunca vai parecer com a Naomi Campbell.

Mas um cara com 1,80 meio gorducho pode virar um viking, gordo e forte, igual ao Paul Sr. do American Chopper. Já viu o braço do cara? Parece uma coxa pendurada no ombro. Vamos parar de idealizar pessoinhas do Kentucky que sabem fingir durante duas horas que são soldados ou advogados ou uma jovem apaixonada ou um capitão de nave espacial. Escolha alguém quase parecido com você. Vamos escolher role models viáveis, e sermos felizes sendo (quase) nós mesmos.

A Sabedoria Jeca

Uma tarde abafada com pesadas nuvens cobrindo o céu enquanto o Matuto observa, calmo e composto, de cócoras, o movimento dos pássaros. Empurra sutilmente o chapéu de palha para trás, passa o cigarro enrolado do lado direito para o lado esquerdo da boca, coça o queixo e afirma, categórico:

– Uai, sô, hoje chove.

Ah, delicada Sabedoria Jeca, tão útil e atraente como câncer testicular. Aquela maravilhosa habilidade de prever chuva, saber como transformar um galho quebrado de goiabeira numa muda e compreender a sutil diferença de aroma e sabor que separa frutas de sacolão das colhidas no pomar na roça.

Assim, é gerada toda uma mística em torno da vida no campo e da discreta sabedoria do roceiro humilde, uma pessoa simples e prática e, justamente por isso, dotada de uma compreensão pragmática e profunda do espírito humano; quase um personagem do Morgan Freeman.

Cria-se então uma supervalorização das coisas simples da roça, aquele café ralo e doce, aquelas botinas com sola de pneu, aquele despertar às 4 da manhã. Uma glorificação do interior de Minas Gerais, terra boa e acolhedora, onde qualquer festa, feriado ou simples sexta à noite é desculpa para beber cachaça e cerveja até a inconsciência, por falta completa de qualquer outra opção de lazer. Ainda mais depois que os cinemas viraram igrejas, prontas para acolher quem bebe demais e precisa mudar a vida - e o ciclo se fecha.

Assim como o Windows é uma elegante ferramenta para provar que as pessoas conseguem se acostumar com praticamente qualquer tipo de sofrimento, a sabedoria jeca é um meio de destruição da vida humana enquanto experiência estética prazerosa.

O poder de atração da silenciosa filosofia fazendeira nos seduz, e nos convence de que há, ali, algo de valor. Temos luz elétrica. A sociedade pode funcionar a qualquer hora, manhã, tarde e noite. Mesmo assim, insistimos em obrigar as pessoas a acordarem em horas desumanas, como 6 ou 7 da manhã. Por que? Porque desde 5 mil anos atrás os fazendeiros (leia-se quase todo mundo até o século XIX) acordam de madrugada.

Sábios? Não, apenas pessoas que precisam tirar leite das vacas. A simples função de uma categoria profissional, hoje bem menos expressiva, ditou as normas do mundo por milênios. Prova maior da estupidez humana não há (talvez o Windows).

Ninguém atende o telefone em casa e diz “Bom dia, meu nome é Fulano, em que posso ajudar?”, nem sai do trabalho na hora do almoço para pegar o carro e dirigir lentamente pelas ruas enquanto os amigos jogam sacolas de plástico cheias de lixo no porta-malas.

Quem faz isso são atendentes de call center e lixeiros. E quem acorda de madrugada são fazendeiros. Está na hora de abandonar a sabedoria jeca e adotar de vez a sabedoria urbana.

Não sei fazer muda de planta, mas sei fazer um Dry Martini espetacular. Nunca consegui olhar para o céu e saber se ia chover, mas consigo olhar para um email e saber que é mentira, não vão cancelar minha conta no Messenger ao menos que eu clique naquele link.

O que eu sei é que são quase quatro da manhã e não dormi ainda, mas tudo bem, meu leite não vem de vaca, vem de Tetrapak.

Naomh Pádraig

Tudo começou em um dia de São Patrício. Meio a um porre colossal, Godofredo começara a balbuciar incongruências ininteligíveis, certamente derivadas do consumo de exatamente 574 mililitros de álcool etílico, espalhados de forma irregular por diversas garrafas de cerveja e inúmeras doses de whisky. Seus amigos – Arnaldo, consumidor orgulhoso de 485 mililitros e Estêvão, puxando a frente com 693 mililitros – imbuídos pelo espírito católico irlandês do dia 17 de Março, data na qual é venerado o santo Naomh Pádraig pelo simples fato de nela ter morrido, convenceram Godofredo de que não eram apenas resmungos de bêbado, e sim uma dialeto obscuro do irlandês arcáico falado apenas pelo santo. Godofredo acreditou em seus dois supostos amigos e passou a ter certeza de ser a reencarnação do santo e que sua missão seria destruir toda a delicada mitologia proposta pela igreja católica com sua teia de mentiras e ganância, trazendo uma nova era de paz e espiritualidade, coisas que raramente andam juntas.

Ironicamente, Godofredo ignorava (como ignoraria pelo resto de suas poucas horas no planeta) ser descendente direto do Papa São Gregório VII, seguindo a linhagem de um filho bastardo jamais visto pelo pai, que certamente reviraria na cova ao saber que um de seus descendentes andara pregando reencarnação. No caso quem reviraria seria o papa, já que o filho fôra apenas um camponês insignificante desprovido da capacidade analítica necessária para compreender a gravidade da existência de tal fenômeno para os pilares da fé católica.

Mais pertinente seria notar que Godofredo também ignorava seu transtorno dissociativo de identidade latente, que só agora aflorara em toda sua resplandescente glória.

Subitamente transformado em santo, Godofredo ergueu-se glorioso da cadeira, para espanto de Arnaldo e Estêvão, subiu desajeitadamente no tampo de fórmica que imitava madeira da mesa e começou um discurso colossal, estrondoso, que faria as bases de toda a sociedade desabarem e daria início a uma Nova Era da Humanidade, uma era de compreensão e fraternidade em que o amor prevaleceria e a solidariedade dimensionar-se-ia como a grande moeda de troca da espécie humana. Ditadores cruéis e terríveis cairiam, injustos se arrependeriam e dedicariam suas vidas ao bem, o poder escorreria das mãos dos poucos nas quais esteve concentrado durante quase toda a história humana e desapareceria para sempre para permitir a igualdade; todos seriam livres, felizes e contentes para todo o sempre, sem precisarem de dor, sofrimento e agonia. Um discurso para salvar a humanidade, iluminar as trevas e trazer ordem ao caos.

Infelizmente, Godofredo estava convencido ser um santo irlandês, e todo o discurso de quase duas horas foi feito em grunhidos e resmungos que o jovem herege presumia serem irlandês arcáico. Arnaldo e Estêvão, temendo a intervenção violenta de alguns freqüentadores menos iluminados do bar haviam desaparecido, e a única coisa que ruiu por terra graças à grandiloqüência de Godofredo foi a mesa sobre a qual discursava, partindo-se em três pedaços e lançando o santo destronado ao chão, onde bateu a cabeça e morreu em segundos, nunca descobrindo que não existe reencarnação, não existe paraíso e não existe Deus, apenas um chão de linóleo e uma escuridão eterna.

O garçom que tentou socorrê-lo, ao ver que não havia nada a se fazer, roubou sua carteira, provando de uma vez por todas que não tem jeito mesmo e que estamos todos fudidos por toda a eternidade, boa noite.

O Não-País

Em 1963, franceses que pescavam lagosta ilegalmente na costa brasileira foram presos e gentilmente devolvidos à França. Irritado, o então presidente Charles de Gaulle teria dito “O Brasil não é um país sério”. O que não faria sentido; um país que fiscaliza sua costa e repreende práticas ilegais pode ser considerado bastante sério. Só começa a fazer sentido quando descobrimos que a frase foi suavizada pelo então embaixador brasileiro na França, Carlos Alves de Souza Filho.

A frase original proferida por de Gaulle seria “O Brasil não é um país”. Ou seja, fodam-se os limites de águas territoriais brasileiras, foda-se a polícia, foda-se a diplomacia, nem é um país.

Faz sentido.

Desde então, as únicas fontes fidedignas de informações e opiniões sobre o Brasil (tirando Diogo Mainardi, o último ser humano sensato de nosso não-país) têm sido publicações estrangeiras.

O New York Times publicou um artigo em Dezembro de 2007 que resumia toda a situação do Renangate em alguns poucos parágrafos. Era objetiva, direta e, mais importante, sem rabo preso. Por motivos óbvios; não consigo imaginar por qual motivo o New York Times colocaria panos quentes em qualquer coisa relacionada ao Brasil.

Um relatório do Departamento de Estado norte-americano desceu o cacete no Brasil por causa de coisas típicas desse não-país, como corrupção, simbolizada pela mais recente afronta à inteligência humana, que é o não linchamento de nosso estimado criminoso, ex-Presidente do Senado), impunidade (mais uma vez, lá estava Renan) e violência policial (mais precisamente, o caso da menina de 15 anos de idade encarcerada com 20 homens em um não-estado do nosso não-país, que, claro, foi abundantemente estuprada).

Qual conclusão podemos tirar disso tudo, tirando a óbvia, de que o Brasil não é um país viável? A conclusão é que a imprensa brasileira tem o rabo preso de forma quase criminosa. Seja por pressões de nossos dirigentes eleitos, seja por auto-censura, os jornais do Brasil lidam de forma excessivamente comedida com a realidade política do país.

Tirando o Estado de Minas, mais proativo em suas atitudes, que ignora agressivamente qualquer fato negativo do Governo do Estado. Se Aécio Neves peidasse durante uma comitiva, a manchete no dia seguinte seria “O Doce Aroma da Boa Liderança”. O que mais me incomoda é que considero Aécio Neves um governante acima da média, e votaria nele para Presidente da República sem pestanejar, mas é um absurdo o jornal de maior circulação do estado ficar ajoelhado com o pau dele na boca. Na verdade é um absurdo o jornal de maior circulação do estado ser a merda que é. Minhas condolências a todos (os quatro ou cinco) jornalistas de verdade que trabalham para o grande jornal dos mineiros.

Minhas condolências a todos os seres humanos semi-racionais que povoam nosso não-país.

Três Formas de Odiar

Este texto é um pouco diferente do padrão; são três temas que já tentei desenvolver sem muito sucesso, talvez por serem idéias excessivamente sucintas. De qualquer forma, são três pequenos textos embolados em um só, então certamente tem alguma coisa para ofender a todo mundo.

Ficção é Mais Estranha que a Realidade

Sempre fico abismado quando vejo algum filme cheio de pontas soltas e situações confusas que, de repente, se amarram e encaixam e tudo fica perfeito.

Fico abismado, na verdade, com as reações das pessoas. Elas ficam impressionadas mesmo, como se fossem coincidências reais e loucas (“aí o menino descobre que ele sempre odiou brócolis porque o pai dele o obrigava a comer brócolis, por isso que ele matou o fazendeiro que plantava brócolis, mas o pai dele era amigo do policial que procurava pelo assassino do fazendeiro de brócolis e o irmão do fazendeiro blá blá blá”).

É FICÇÃO. Qualquer coisa que você quiser que aconteça, pode acontecer! Que tal pensar na competência do roteirista ao invés de ficar parado na porta do cinema conversando com outros idiotas comentando que loucura que o cara era pai do cara que era irmão do outro que na verdade era o cara que matou o cara?


Alguns mais iguais que os outros

O Brasil é um país tão racista e individualista que, quando zilhões de crianças negras pobres morrem em decorrência do tráfico e outras formas de violência, é só estatística. Quando um menino branco de classe média morre arrastado por um carro em decorrência de um assalto mal executado, o Brasil inteiro entra em comoção, gritando e esbravejando.

"Atores" de novela vestem camisetas brancas com palavras como PAZ e JUSTIÇA e, ocasiosalmente, pombos brancos, e pedem o fim da violência. Como se pombos não fossem ratos alados, vetores de milhares de doenças, e como se fosse uma escolha consciente a degradação urbana brasileira.

Claro, existe a violência porque os atores de Malhação não haviam pedido que reinasse a paz. Agora sim, teremos tranquilidade, não vai nem precisar de trancar a porta à noite. Eles querem PAZ (parar de comprar pó eles não querem, mas querem paz).


Monogamia Poligâmica

Monogamia é fundamental para a vida humana, assim como para a existência de toda a espécie. Mesmo quando é poligâmica.

Imagino que em boa parte dos casos, relações poligâmicas são escondidas e secretas, mantidas até o túmulo. Ou pelo menos até logo antes do túmulo, quando a Outra aparece com dois filhos e se apresenta para a esposa na beira do caixão. Esporadicamente, nos confrontamos com uma poligamia aceita; isto é, uma poligamia explícita e pacífica. Três mulheres morando na mesma casa, com um cara, ou algo do gênero. Elas aceitam isso, é algo conhecido e tolerável. Um dia come uma, outro dia come outra, um dia, quem sabe, até come as três juntas.

Mas deixa esse cara sair e comer uma outra. Morte na certa.

Hortifrutigranjeiros

Vivemos num país de conto de fadas. Não um lugar lindo com um rei justo e uma princesa esperando o amor verdadeiro, mas uma distopia vivendo à base de mitos idiotas e sonhos surreais. O sentimentalismo e a demagogia dominam o país, e o falso moralismo corrói a sociedade como um câncer. Como diz meu amigo SaintCahier, “[Povo] mais bunda que o brasileiro, eu desconheço.”

Em várias incidências vemos a bundice brasileira em ação: não fuzilar os integrantes do MST, não esfolar vivas ministras da economia que confiscam seu dinheiro, não linchar em praça pública os generais e torturadores da ditadura, levar a sério Big Brother. Mas em nenhum caso a manifestação do brasileiro bunda-mole é mais grave que nossa relação com hortifrutigranjeiros.

Sério? Sério. O sacolão define perfeitamente a essência do povo brasileiro enquanto consumidor e, como conseqüencia, cidadão. Se americanos nervosos ocasionalmente entram armados no McDonald’s e abrem fogo na galera, deveríamos fazer o mesmo em sacolões Brasil afora.

Temos diversos climas no país, propício ao cultivo de praticamente todo tipo de fruta e legume, e mesmo assim só temos merda no sacolão. Bons exemplos são frutas que saem ligeiramente do tropical, como pêssegos e maçãs e morangos e amoras, que são de qualidade lamentável na terra da manga e do abacaxi (talvez as únicas duas coisas que prestam no Brasil).

O que isso tem a ver com a personalidade coletiva do brasileiro? Mostra como aceitamos consumir qualquer merda que seja enfiada goela abaixo, qualquer maçã massuda ou pêssego duro. Não somos consumidores exigentes, isso é mais que claro. Aceitamos pagar o triplo que um americano paga numa televisão (mesmo sendo fabricada na China), e ainda agüentamos o gerente semi-analfabeto da Ricardo Eletro explicando como funciona a política de troca da loja e que ele não pode fazer nada quando a TV estraga. Somos consumidores fracos e estúpidos.

É muito fácil rir da mania dos europeus de pagarem 5 euros numa manga e comerem bananas verdes, que jogam fora assim que aparecem pequenas pintinhas pretas (ou seja, quase pronta para comer), mas eles exigem qualidade suprema em televisões, máquinas de lavar roupa e hortifrutigranjeiros. Nós somos idiotas, o que é comprovado pelo nosso comportamento em relação ao tomate.

O tomate é a quintessência da estupidez brasileira. Além de só termos dois tipos de tomate (aquele grandão sem gosto de nada e aquele pequeno com gosto de agrotóxico), compramos verde e jogamos fora maduro. É verdade, e você sabe disso. Não tente negar. É inadmissível um tomate manchado de verde chegar à mesa. Tomates são vermelhos, porra. Vermelhos, não verdes, não amarelados, e sim VERMELHOS.

Tomates não devem ser consumidos duros e verdes, devem ser consumidos firmes e vermelhos. Geralmente quando chegam ao ponto certo, são jogados fora, porque passaram do ponto. Passaram de onde, do ponto de quase maduros?

Como sempre, existe um lado positivo. A vantagem da estupidez tomatal do povo brasileiro é que nós, os seres humanos sensatos do Brasil, podemos comprar tomates maduros em qualquer sacolão, desde que cheguemos depois das idiotas que compram verde e antes dos funcionários que jogam fora maduro.

Respeitem o tomate. O tomate é nosso amigo, principalmente maduro.

In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti

03:57 no despertador, acordo gritando. Dez anos matando gente e todo dia acordo gritando. Vejo cada rosto que já matei. Só tenho paz quando encontro com Cândida, e apanho.

Maldita criação católica. Só aplaco a culpa com penitência. Sangramento, hematomas, ocasionais fraturas, igual nos velhos tempos. O papa ficaria orgulhoso, velho louco. O pecado da luxúria, pequeno preço a pagar.

Mas há três dias não vejo Cândida. A capa de chuva e as luvas de látex esquecidas na valise, só me resta suar, gritar e dormir em pequenos intervalos entre os pesadelos. Preciso apanhar hoje, a exaustão está fora de controle.

Abro a porta do prédio e subo de escada até o terceiro andar. Minha mão segurando a valise está suada, cheia de más intenções. Será que o paraíso está repleto de más intenções, para contrapor ao inferno?

Não me dou ao trabalho das luvas nem da capa. Entro silenciosamente, não quero que Cândida me veja ainda. Quero assustá-la, assim apanho mais. Talvez até uma fratura, por acordá-la de madrugada. Uma fratura são duas semanas dormindo em paz.

A fresta da porta do quarto mostra luz. Estranho. Cândida não tem pesadelos, criada pagã. Inveja. Mais um pecado. Vou direto para o inferno.

Cândida conversa com alguém. Alguém homem. Escuto tudo, do outro lado da porta. Estão contentes, vão poder ficar juntos agora que o marido dela está morto. Assassinado no banheiro da empresa onde trabalha. Garganta cortada por um homem com capa de chuva.

Um homem que vai pro inferno. Ainda mais agora, depois voltar à cozinha do apartamento, pegar uma faca e passar mais de duas horas esquartejando os dois, nus, na cama. Trabalho até o sol raiar, fazendo uma piscina de sangue no chão do quarto. Manchando minha roupa, e minhas mãos. Minha roupa desprotegida, sem capa, e minhas mãos expostas, sem luvas, sujas de sangue. Lavo as mãos, mas o sangue mancha, não importa o quanto eu esfregue.

Saio do prédio, finalmente vestindo a capa de chuva para me proteger das gotas enormes caindo. Tenho esperança que me protegerá também do raio que, certamente, um dia me fulminará. Maldita chuva, maldito trabalho, maldito Deus, maldita Cândida.

Cândida

– Pra onde vamos, chefia?
– Getúlio Vargas com Alagoas.

Abro o jornal e finjo ler alguma matéria sobre os novos avanços da NASA na tentativa de criar um habitat viável para colonização da lua e, futuramente, planetas (não está indo bem, dá pra ver pelas entrelinhas da matéria), tudo para evitar conversa.

Momento de foco e concentração, preparando para o encontro final com Cândida. Semanas de preparação, cuidado extremo. Tudo para ganhar confiança e me aproximar.

– Você viu o jogo ontem? Porra, que pelada, hein?

Nem escuto o imbecil dirigindo o táxi. Estou preocupado. Não me preparei adequadamente. A certeza inabalável me assola. Começo a sentir aquele calafrio estranho, um gelado na barriga e arrepio na nuca. Fecho os olhos e respiro, tentando controlar o pânico.

Sinto o suor brotando na testa, todos meus músculos travando. Sei que o motorista está me olhando pelo retrovisor. Pelo menos agora acho que não vai tentar puxar papo.

Minha última chance hoje. Após semanas, tentando entender todos os códigos e tirar tudo que poderia de Cândida, chegou o momento inevitável, e preciso me controlar.

Minha mão esquerda desliza até a sacola ao meu lado no banco de trás. Escorrego os dedos para dentro. Cada objeto identificado me acalma um pouco, a respiração volta ao normal, depois de alguns minutos abro os olhos e sorrio.

– Tá tudo bem aí, cara?

Continuo sorrindo e ignorando. Chegamos, pago o dobro que devo e desço.

O prédio conhecido, abro o portão com minha chave. Cândida mora no 301, subo de escadas e paro no corredor. Preciso ser rápido, nenhum vizinho pode passar enquanto me preparo. Em segundos, pesco um par de luvas de látex no bolso do paletó, visto, abro a sacola e visto a capa de chuva que estava lá dentro, visto os óculos de proteção presos com um elástico branco por trás da minha cabeça. Abro a porta do apartamento. Finalmente chegou a hora.

Adiar prazer? Expectativa aumenta a emoção de conseguir algo? Sofra agora, deleite-se mais tarde? Parece muito cristão. Penitência é para idiotas. Fodam-se os sete pecados e o paraíso depois, quero prazer constante. Quero sobremesa antes e depois do jantar.

Com Cândida não foi assim. Semanas de preparação, estudando seus hábitos, me preparando para o momento apoteótico que se aproximava, finalmente.

Fecho a porta, silencioso, vejo Cândida parada no centro da sala, de costas para mim, observando algo que segura nas mãos e que não vejo. Avanço lentamente, medindo cada passo. O tempo pára. Estou a cinco passos dela. Quatro. Três. Dois.

– DEITA! – berra Cândida, virando rapidamente, me batendo na cara com a cinta que examinava – JUNTO, maldito escravo imprestável! Matou o homem da foto?

Caio de joelhos, o sangue escorre nariz abaixo, resultado da primeira cintada. Abano a cabeça em afirmação.

– Bom escravo! De prêmio, vai lamber minhas botas, seu porco imundo!

Cândida termina de me jogar no chão, sempre batendo, batendo, pquenas gotas de sangue caindo do meu nariz na capa de chuva de plástico transparente, eu me ajoelhando e lambendo suas botas de couro, pretas e novas, sentindo lágrimas de felicidade brotando dos meus olhos e a sensação de finalmente conseguir o prazer que tanto queria me preenchendo por todo.

Gravatas

Realidade não deixa margem para especulação, é a puta de luxo do pragmatismo. Esqueça discussões sobre aborto, é um cabide tentando puxar o feto. Esqueça especulações e análises sobre violência urbana, é o cano de uma nove enfiado goela abaixo e um malaco suando frio de abstinência de pedra arrancando seu dinheiro.

Esqueça anedotas sobre situações desagradáveis em aviões, é um executivinho de merda na poltrona ao lado, tentando puxar papo comigo desde que a aeromoça terminou de explicar o que fazer no caso de despressurização (coloque a máscara sobre o rosto, prendendo o elástico atrás da cabeça).

Quarenta desesperadores minutos depois e finalmente pousamos (favor manter telefones celulares desligados até desembarcarem da aeronave), sãos e salvos, apenas um pouco amarrotados e com pés inchados.

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Assim que ligo o celular, uma mensagem de texto aparece com a hora e o lugar da reunião. Arrumo o nó da gravata, aliso o paletó e saio para o terminal antes de todo mundo. Não tenho bagagem.

Acho o motorista com meu nome na placa logo no desembarque (sou eu, não tenho bagagem nenhuma).

No banco de trás do carro está a valise com tudo que vou precisar durante o dia, e o motorista já foi instruído sobre meu trajeto.

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Os trinta andares do prédio estão abarrotados de pessoas. Diretores, estagiários, contadores, executivos e trainees, empenhados em ganhar dinheiro, passar o dia, subirem na empresa.

Tiro um crachá da valise, prendo no paletó, cumprimento o porteiro com um aceno de cabeça (bom dia, senhor). Entro no elevador e subo até o vigésimo-quinto andar, praticamente deserto, exceto pela sala de reuniões.

Passo direto pela porta e vou até o banheiro. Quatro mictórios, três pias e duas privadas. Me tranco dentro de um dos cubículos. Uma privada, um rolo de papel higiênico e um gancho para pendurar sabe-se lá o quê.

De dentro do bolso do paletó tiro um par de luvas de látex, vestindo-as com cuidado. Da valise sai uma capa de chuva de plástico transparente, que visto também, abotoando-a até em cima.

Agachado na privada, para não ser visto de fora, aguardo.

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Treze pessoas passam pelo banheiro em quarenta e sete minutos. Vejo-as pela fresta da porta. Algumas sozinhas, cantarolando (…quero descansar, ir ao cinema com você, um filme à toa…), outras acompanhadas, absortas em conversas óbvias (…aí falei com ela, porra, eu não sou uma máquina de ganhar dinheiro, você precisa ter um pouco de…). A décima-quarta pessoa corresponde exatamente à foto que tiro de dentro da valise. Exatamente o executivinho de merda que me amolou o vôo inteiro.

Coincidência louca, penso, enquanto abro a porta, puxo a faca de dentro da valise e corto a garganta do alvo, seja ele quem for, esguichando sangue na capa de chuva que tiro rapidamente, junto com as luvas, jogando tudo no lixo e saindo do banheiro, valise na mão, ajustando o nó da gravata, alisando o paletó e me preparando para pegar mais um avião.

A Complexa Individualidade dos Mendigos e Canários Belgas

Dizem por aí que existe um canário belga no Inhotim. Dizem ainda que ele vive numa gaiola. E dizem mais: dizem que as condições nas quais vive o canário belga são desumanas. Dizem que ele fica numa sala toda vermelha, sem janelas, com ar-condicionado, e que ele deveria ser libertado (na verdade, dizem “retirado”, mas presumo que não seja só um desejo de não ver o bicho e sim de que o bicho seja libertado).

Eu digo: pare de ser hippie.

Como alguém tem ânimo e tempo para se preocupar com um canário belga dentro de uma gaiola num museu? Se quiser demais ser engajado, existem zilhões de bichos que morrem para nos alimentar, vestir e manter com cabelos sedosos, todos merecendo mais atenção que um único solitário canário belga (que nem está sendo maltratado porra nenhuma).

Além do que, animais são como mendigos; não têm individualidade. Mendigos são gente mas não são indivíduos, assim como uma unidade específica de canário belga é insignificante. O que importa é a sobrevivência da espécie, não o conforto individual de cada canarinho (ou mendigo).

Eu sei, eu sei, aquele mendigo louco de bicicleta que berra músicas do Raul Seixas e toca um violão de duas cordas é super único e diferente. Não é. No fim das contas, é alguém sujo, fedorento, constantemente bêbado e que dorme na rua, seja lá qual for a patologia psiquiátrica específica dele.

Acho que isso é tudo culpa da Disney e da Pixar, com seus filmes personificando animais de forma surreal. Tentar transpor o sonho americano do self-made man e da mobilidade social para o mundo das formigas ou abelhas é, no mínimo, insano. Já não basta as pessoas serem tão burras, loucas e carentes a ponto de acreditarem que o totozinho tem uma gama enorme de emoções e uma complexidade de sentimentos woodyallenesca, só porque têm algo semelhante a sobrancelhas e expressões faciais, agora elas acham que cada canário belga do mundo é um diamante precioso.

As pessoas começam a se colocar no lugar dos animais, ao invés de pensarem e aproveitarem da única vantagem biológica do ser humano (se você não sabe qual é, provavelmente nunca usou).

Um canário belga caga e anda se está numa gaiola numa sala vermelha; tendo comida e água, o bicho tá de boa. Bichos querem comer, dormir, beber e trepar, e nada mais. Igual a mendigos.

O ciclo se completa.

Escola Proietti de Bom Senso

Nenhum creme de celulite tem 93% de eficácia, não dá para ter barriga de tanquinho com aquele aparelhinho dá choque no músculo, e ninguém que ficou bilionário com o mercado de ações vai realmente dividir os segredos em livros vendidos em aeroportos.

Tudo óbvio, não é? Não. Por incrível que pareça, o mundo está repleto de indivíduos sem nem um toque de bom senso. São os que gastam rios de dinheiro com livros de auto-ajuda, cremes, aparelhos de ginástica, complexos de vitaminas, títulos de capitalização, e tudo para quê? Preencher o enorme vazio dentro de cada um, que grita todo dia? Ser mais rico, mais bonito, mais saudável, mais mais mais qualquer coisa, na ilusão de um dia se tornar um ser humano completo e feliz.

Quando juntamos o vazio natural à falta obscena de bom senso da esmagadora maioria das pessoas, temos o maior mercado de todos, o da idiotice. Por algum motivo, jogo no Brasil é ilegal, porque jogos de azar não dão uma chance justa para o jogador. Mas e cremes de celulite? Que mulher em sã consciência não gostaria de ter menos celulite? E Shampoo antiqueda? Que homem em sã consciência não gostaria de perder menos cabelo?

Idiotas trabalham e ganham dinheiro igual a todos os outros, e chegou minha vez de explorar o nicho dominado por cosméticos caros, aquelas máquinas que engolem uma fruta inteira e cospem fora suco, e, claro, Herbalife.

Vou fundar a Escola Proietti de Bom Senso. Meus alunos serão pessoas comuns, mas que não tiveram, de alguma forma, aquela dose fundamental de desconfiança e desilusão, fundamentais para um bom senso aguçado. Os alunos viriam por recomendação dos amigos, cansados de precisarem explicar que todas aquelas frases do Big Brother que viram bordões são escritas por roteiristas da Globo, e que manga com leite não mata.

A primeira lição (depois de descontado o cheque do módulo um) é nunca mais pagar para aprender algo impossível de ser ensinado. Depois podemos evoluir para casos mais específicos. Exemplo? Se um creme contra celulite diz ter 93% de eficácia, bom senso diz que devemos conferir no verso da embalagem, para entendermos o que exatamente quer dizer isto. O verso, claro, revela que, num estudo do fabricante, feito com 100 mulheres, 93% perceberam alguma melhora após usar o creme. Só aí temos viés, amostragem pequena e um resultado imensurável e impossível de avaliar. Mais fácil de identificar que isso, só aqueles mendigos velhinhos que, aparentemente, estão tentando voltar para Manhuaçu há 15 anos e nunca conseguem juntar o dinheiro da passagem.

Entendeu como funciona? Agora ande na linha e pense antes de falar, antes que seus amigos façam uma vaquinha para te dar o Módulo I da Escola Proietti de Bom Senso.